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VOZ

Por Adão Casares criado para Marca pelo Mundo


Quando eu soltar a minha voz Por favor entenda

Que palavra por palavra....

Essa frase, que dá início à música de Gonzaguinha, foi brilhantemente interpretada por Maria Bethânia. E, na minha opinião, se Bethânia cantou, é difícil encontrar uma interpretação melhor!


A voz é um instrumento poderoso. Ela pode nos emocionar ou nos acalmar, narrar um jogo de futebol com uma paixão contagiante pelo rádio ou transformar uma partida transmitida na televisão em algo monótono. A fala é a primeira ferramenta de comunicação que o ser humano descobre. Antes de aprender a conversar, dançar ou gesticular, aprendemos a falar. E essa fala tem sotaque.


Recentemente, li uma matéria interessante no portalG1 sobre as variações de fala no Brasil, que me inspirou a continuar essa reflexão sobre vozes, falas e sotaques:

“Pernilongo ou muriçoca? Pão francês ou cacetinho? Bombom ou queimado? Os estados brasileiros têm o seu próprio vocabulário […] Muitos locais do país têm um jeito diferente de pronunciar a letra ‘R’. Tem o ‘R’ retroflexo, popularmente conhecido como ‘R’ caipira; o ‘R’ carioca, que raspa no fundo da garganta […] O maior número de pessoas falando o ‘S’ chiado está no Rio de Janeiro. De cada 100 cariocas, 97 chiam, principalmente quando o ‘S’ está no meio da palavra […] O jeito mineiro de encurtar as palavras e como em São Paulo o ‘R’ se multiplica. O pronome ‘tu’, a campeã é Porto Alegre, onde de cada 10 pessoas, seis se referem ao outro como ‘tu’.”


Aprender uma língua começa com a escuta de sons e a imitação dos pais. A partir disso, o cérebro faz novas sinapses, e o aprendizado se consolida. Atualmente, parece que estamos construindo uma Torre de Babel ao contrário.

Em 2020, um ano difícil para todos, observei um fenômeno interessante: segundo um post no Instagram de Martha Gabriel (@marthagabriel) em 15 de junho, no ambiente digital, 50% de todas as buscas são feitas por voz. Duas em cada cinco pessoas consideram os dispositivos ativados por voz essenciais em suas vidas. O uso diário de busca por voz é praticado por 55% dos adolescentes, 44% dos adultos, e 18% das pessoas usam a Siri pelo menos uma vez ao dia. No meu cotidiano, vejo que as mensagens de áudio no WhatsApp são uma preferência nacional; enviar áudios tornou-se a forma predominante de comunicação, facilitando a compreensão.


Paralelamente, o mundo dos "apps de assistentes pessoais" cresceu enormemente. Conversamos com: Siri, Cortana, Alexa, Lu, Joice, Aura, Bia, Helô... Mas já parou para pensar por que todas as assistentes digitais têm vozes femininas? Pesquise sobre isso, mas aviso que talvez a resposta não seja muito agradável.


Elon Musk acredita que a inteligência artificial, se não regulamentada, pode se tornar uma ameaça à humanidade. O físico Stephen Hawking também alertava para esse risco: ele dizia que as pessoas correm sérios riscos de terem suas inteligências superadas pelas máquinas. Lembra do famoso “I’ll be back” de um certo personagem? Pois é.


O filme Her, lançado em 2013, conquistou o público e os críticos ao contar a história de amor entre Theodore, um homem solitário, e Samantha, a assistente virtual de seu novo computador. Recomendo assistir. Sinto que, a cada dia, os assistentes virtuais se tornam mais avançados, presentes em todos os cômodos, viagens e transportes públicos. Os computadores estão cada vez mais aptos a reconhecer padrões. Não demorará para que um assistente de voz conduza uma reunião matinal com um executivo, envie um relatório por e-mail e até peça o almoço.


Voltando ao tema do sotaque, as crianças da geração Alpha, nascidas em um mundo conectado, interagem naturalmente com assistentes de voz como Siri e Cortana. Para elas, é fácil se relacionar com essas interfaces. A popularização desses sistemas representa uma oportunidade para os pequenos, que ainda não são leitores fluentes, realizarem pesquisas na internet de forma independente. Algumas escolas já utilizam a Alexa para enriquecer o currículo na educação infantil. Percebo que hoje é comum os pais delegarem parte da educação dos filhos para professores e gadgets – e, nesse contexto, os assistentes de voz têm uma vantagem: eles sempre escutam.


A geração do “OK Google” está aprendendo a falar com as assistentes virtuais. Será que isso levará a uma padronização da linguagem? Todos passarão a falar de uma única maneira? Vale refletir que, se no passado seu melhor amigo era imaginário, o do seu filho pode muito bem ser uma assistente de voz.


Na minha opinião, o sotaque fará falta. Nascido na magnânima Capivari, cidade do interior de São Paulo, ainda ouço, quando visito minha família, o querido “caipirês”, com aquele “R” arrastado: porta, portão, porteira, vorta urso, vorta bode, forfé, reiva, lasqueira, vortei, barda, rodiá, braba, fórga. Vocês não imaginam como é o diálogo na cancha de bocha.

Para encerrar, dedico este artigo sobre vozes e sotaques ao meu grande amigo Francisco “Chico” Cathoud, que nos deixou. Agora, ele deve estar falando seu impecável minerês lá no céu. Vai fazer falta, Chico.

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