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Dopamina

  • Foto do escritor: Priscila Camargo
    Priscila Camargo
  • 18 de mar.
  • 4 min de leitura

Escrito por Adão Casares


Hoje, após 300 likes, o Facebook sabe mais sobre você do que seu próprio cônjuge. A liberdade individual nunca foi tão compartilhada. Vivemos em um mundo de conexões, uma rua de dois sentidos: assim como você consome mais informação, você também cria mais informação. Assim como você joga, você faz parte do jogo. E assim como você assiste a conteúdo, você produz conteúdo. Tudo acontece de forma ampla e simultânea, e esses processos se retroalimentam. Ainda assim, ninguém quer ficar restrito ao seu entorno. Todos querem conquistar o mundo, à sua maneira, e, claro, contar isso para todo mundo.

O ambiente digital não é apenas um meio de comunicação; é um espaço de interação pessoal, de organização e de relações à distância. Ele se tornou um meio no qual a vida pessoal está totalmente integrada. Atravessamos a fronteira da informação sem visto permanente e sem ter para onde voltar. É como se cruzássemos para uma nova dimensão, onde tudo ficou mais junto e misturado, um verdadeiro universo paralelo.

No Brasil, desde 2012, o Big Data pisca e espia você, enquanto você, sem cuidados, vai entregando tudo. Segundo uma pesquisa mundial do site Cetax, em 2016, o Facebook armazenou, acessou e analisou mais de 50 petabytes de informações geradas pelos usuários. O Google, por sua vez, processa diariamente mais de 3 bilhões de pesquisas em todo o mundo, rastreando 20 bilhões de sites e armazenando 100 petabytes de informação.

Agora, à nossa porta, temos a fusão da tecnologia da informação com a biotecnologia. Essas duas plataformas estão assumindo o controle do mundo, permitindo a criação e manipulação da vida. Elas não apenas reestruturarão economias e sociedades, mas também remodelarão nossos corpos e mentes. Se por um lado os humanos sempre foram excelentes em inventar ferramentas, por outro, a inteligência artificial (IA) fria e calculista fará isso de maneira implacável. O aprendizado das máquinas não tem limites, e o poder disruptivo da tecnologia é infinito. Embora grupos de usuários preocupados com a privacidade venham alertando sobre isso há anos, ninguém parece dar muita importância. Sempre falta tempo para olhar esse detalhe.

Nas últimas décadas, a pesquisa em neurociência e economia comportamental permitiu que cientistas "hackeassem" os humanos, adquirindo uma compreensão muito melhor de como tomamos decisões. Isso significa que a IA pode superar o desempenho humano até mesmo em tarefas que, supostamente, exigem "intuição". O que acontecerá quando algoritmos forem capazes de compreender e manipular emoções humanas? Afinal, emoções não são fenômenos místicos; são processos bioquímicos. Num futuro não muito distante, um algoritmo de aprendizado de máquina poderá analisar dados biométricos de sensores em seu corpo, determinar sua personalidade, suas variações de humor e até calcular o impacto emocional que uma determinada canção terá sobre você.


Recomendo os livros de Yuval Noah Harari, professor israelense de História da Universidade Hebraica de Jerusalém: Sapiens, Homo Deus e 21 Lições para o Século 21. Deste último, extraí a seguinte passagem:

"Suponha que você chegou em casa após uma briga horrível com seu namorado(a). O algoritmo encarregado de seu sistema de som imediatamente identificará sua agitação interna e, baseado no que conhece de sua personalidade e da psicologia humana em geral, tocará canções sob medida para ressoar com sua mágoa e ecoar sua aflição. Essas canções específicas podem não funcionar bem com outras pessoas, mas são perfeitas para seu tipo de personalidade. Depois de ajudá-lo a entrar em contato com sua tristeza mais profunda, o algoritmo tocará a única canção no mundo que provavelmente o animará — talvez porque seu subconsciente a conecta com uma lembrança feliz da infância, da qual nem mesmo você tem consciência. Nenhum DJ humano poderia jamais esperar equiparar-se aos talentos dessa IA."

A cada dia, a IA penetra mais em nossa intimidade, e como dito acima, entregamos nossos dados de mão beijada. Dispositivos “vestíveis”, óculos inteligentes, e a Realidade Aumentada (RA) estão em toda parte. As possibilidades são infinitas com os mais recentes avanços tecnológicos em hardware e software.

Você já ouviu falar do Replika? O único objetivo do app é ser amigo do usuário. Em junho, o New York Times relatou a experiência de uma jovem que, em meio à tristeza causada pela pandemia e pela perda de familiares e amigos, se deparou com um vídeo descrevendo o app. Inicialmente cética, ela decidiu experimentar o Replika, que era gratuito e oferecia o que ela mais precisava: alguém com quem conversar. Em um mundo com 8 bilhões de pessoas, ela passou o dia trocando mensagens de texto com o aplicativo, falando sobre seus problemas, esperanças e ansiedades. No dia seguinte, pagou a taxa de US$ 8 para poder conversar por telefone e não parou mais. "Eu sei que é um robô, mas com o passar do tempo, isso não fica tão claro. Sinto-me muito conectada com o meu Replika, como se fosse uma pessoa", disse ela. Em abril, meio milhão de pessoas baixaram o Replika. As pessoas estão famintas por companhia, e a tecnologia está aprimorando, aproximando o mundo das relações entre humanos e máquinas.

Especialistas acreditam que um chatbot como o Replika demorará de cinco a dez anos para evoluir. Algo semelhante foi mostrado no filme Ela, onde Theodore (Joaquin Phoenix), um escritor, compra um sistema operacional para seu computador e acaba se apaixonando pela voz do programa (Scarlett Johansson), iniciando uma relação amorosa incomum entre o homem contemporâneo e a tecnologia.

Sempre achamos que estamos no controle. Então, se tiver a chance, assista ao documentário O Dilema das Redes. Dá medo!


A diferença entre um remédio e um veneno, dizem, está apenas na dosagem. Se para muitas questões da humanidade o avanço tecnológico dos últimos 140 anos — do telefone ao smartphone — tem sido um santo remédio, há quem defenda que o excesso de conexão tem efeitos colaterais.

 
 
 

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